Processual civil. Administrativo. Ação civil pública. Improbidade administrativa. Ausência de má-fé do administrador agente público. Reexame de matéria fática. Súmula n.º 07/STJ. Despacho que recebe a inicial. Agravo de instrumento previsto no art. 17, § 10 da lei nº 8429/92. 1. Ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal em face de Servidores Públicos Federais, por ato de improbidade administrativa, decorrente de desidiosa condução de processo de tomadas de contas, consubstanciada no fornecimento de cópias de peças processuais à parte do processo, à custa do erário, e na dilação de um prazo processual, sem a autorização do Ministro Relator. 2. É de sabença o caráter sancionador da Lei nº 8.429/92 aplicável aos agentes públicos que, por ação ou omissão, violem os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, lealdade às instituições e notadamente: a) importem em enriquecimento ilícito (art. 9º); b) causem prejuízo ao erário público (art. 10); c) atentem contra os princípios da Administração Pública (art. 11) compreendida nesse tópico a lesão à moralidade administrativa. 3. A exegese das regras insertas no art. 11 da Lei nº 8.429/92, considerada a gravidade das sanções e restrições impostas ao agente público, deve se realizada cum granu salis, máxime porque uma interpretação ampliativa poderá acoimar de ímprobas condutas meramente irregulares, suscetíveis de correção administrativa, posto ausente a má-fé do administrador público, preservada a moralidade administrativa e, a fortiori, ir além de que o legislador pretendeu. 4. A má-fé, consoante cediço, é premissa do ato ilegal e ímprobo e a ilegalidade só adquire o status de improbidade quando a conduta antijurídica fere os princípios constitucionais da Administração Pública coadjuvados pela má-intenção do administrador. 5. A improbidade administrativa, mais que um ato ilegal, deve traduzir, necessariamente, a falta de boa-fé, a desonestidade, o que não restou comprovado nos autos pelas informações disponíveis no acórdão recorrido. 6. À luz de abalizada doutrina "A probidade administrativa é uma forma de moralidade administrativa que mereceu consideração especial da Constituição pune o ato improbo com a suspensão e direitos políticos (art. 37, § 4º). A probidade administrativa consiste no dever de o "funcionário servir a Administração com honestidade, procedendo no exercício das suas funções, sem aproveitar os poderes ou facilidades delas decorrentes em proveito pessoal de outrem a quem queira favorecer". O desrespeito a esse dever é que caracteriza a improbidade administrativa. Cuida-se de de uma imoralidade administrativa qualificada pelo dano ao erário e correspondente a uma vantagem ao ímprobo ou a outrem. (...)" José Affonso da Silva, in Curso de Direito Constitucional Positivo, 24ª ED., São Paulo, Malheiros Editores, 2005, litteris: 7. In casu, o Tribunal a quo, com ampla cognição probatória, revisitando os fatos que nortearam os atos praticados pelo agente público, entendeu que a ausência de cobrança de cópias de peças processuais, fornecidas à parte do processo, bem como a má compreensão do alcance de uma decisão proferida em um processo de tomada de contas, podem constituir infração funcional, não tendo a dimensão gravosa que a Lei de Improbidade Administrativa se propôs punir, não havendo no fato qualificação jurídica suficiente para justificar o recebimento da inicial da ação de improbidade, consoante se infere do voto condutor, verbis: " (...) Quanto ao mérito da ação, de exame preliminar da plausibilidade de enquadramento do ato a uma das hipóteses de improbidade, tenho que a razão está com a agravante. Conquanto tenha sido enquadrada em atos mais graves (já declarados prescritos), que acenavam para a prática de atos de prevaricação e de advocacia administrativa, os únicos fatos que remanescem para ser apurados na ação de improbidade são o de não constar nos autos do procedimento TC - 350.408/1996-3 "os comprovantes de ressarcimento dos custos referentes ao fornecimento de cópias processuais "gentilmente" cedidas pelo Sr. Secretário, José Henrique Coaracy, ao responsável" e o fato da prorrogação do prazo de 30 dias, a contar de 07/02/97, autorizada pelo Min. Relator, ter sido elastecida, indevidamente, pelo recorrente e sem a anuência do Relator, para 04/04/97. É certo que todo servidor público deve sempre se haver com presteza, zelo, honestidade e senso de dever da execução se suas tarefas, pois é isso que se espera e se exige da sua atividade pública, mas nem toda ação desidiosa de servidor pode ser apontada como ato de improbidade, aos quais a Lei comina rigorosas punições. Vejamos a hipótese dos autos. Ao recorrente está sendo imputada conduta desidiosa na condução de um processo de tomadas de contas, seja porque autorizou o fornecimento de cópia de peças processuais à custa do erário, seja por permitir a dilação de um prazo processual, sem a autorização do Ministro Relator, o que, a meu Juízo, não tem a dimensão gravosa que a Lei de Improbidade Administrativa se propôs a punir, até porque não se apurou que tal atitude tenha causado dano efetivo à consecução do procedimento de tomada de contas. O fornecimento gratuito de cópias constitui irregularidade que deve ser apurada na esfera própria (administrativa), como foi, exigindo-se do agravante o ressarcimento do valor devido, se for o caso. Mas não permite que se conclua ter havido improbidade administrativa por parte do agravante. Com relação ao fato da dilação do prazo, que se poderia considerar o mais grave, ao que se observa do relatório do processo disciplinar (fls. 191 - item 6.1.1.3), o que houve foi um erro de interpretação quanto ao alcance do despacho do Ministro Relator, no que diz respeito ao termo inicial da prorrogação do prazo deferida por Sua Excelência (30 dias), uma vez que o recorrente considerou o início da sua contagem da data da decisão (04/03/97), por isso a prorrogação até 04/04/97. Ainda que assim não fosse, ad argumentandum, suscita dúvida a afirmativa de que houve violação de dever funcional, pois, pelo relato da Comissão processante verifica-se que é possível ter o agravante se equivocado, não agindo dolosamente, e, se foi o que ocorreu, não há que se falar em violação funcional culposa. Como se vê, os atos que se imputam ao recorrente não podem ser considerados mais que falta funcional, como foram, não se justificando, por isso, o recebimento da ação, com a sua conseqüente citação. Diante do exposto, dou provimento ao agravo de instrumento, para desconstituir a decisão recorrida, tornando-a sem efeito na parte em que ordenou a citação do recorrente, que deve ser excluído do pólo passivo da lide. É como voto. " (fls. 460/461) 8. O § 10 do art. 17 da Lei nº 8429/92 dispõe: "Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar. (...) § 10. Da decisão que receber a petição inicial, caberá agravo de instrumento. " 9. O mencionado dispositivo legal denota que a decisão do Juiz Singular que rejeita a manifestação apresentada pelo requerido e, a fortiori, recebe a petição inicial é impugnável mediante a interposição de agravo de instrumento perante o Tribunal, ao qual o juízo singular está vinculado, versando sobre a inexistência do ato de improbidade, a improcedência da ação ou a inadequação da via eleita. 10. O Tribunal competente para o julgamento do agravo de instrumento, mediante cotejo das razões recursais e do contexto fático engendrado nos autos, vislumbrando a ausência de elementos de convicção hábeis ao prosseguimento ação de improbidade administrativa poderá, inclusive, determinar o trancamento da ação. 11. Sobre o thema decidendum discorre a doutrina pátria: De acordo com o art. 295, IV, do Código de Processo Civil o reconhecimento da decadência ou da prescrição também resulta no indeferimento da inicial. Também neste caso, de acordo com o art. 269, IV, do mesmo estatuto, o julgamento é de mérito. A distinção entre as hipóteses, contudo, reside em que, de acordo com os novos §§ 7º e 8º do art. 17 da Lei nº 8.429, de 1992, na ação de improbidade administrativa já nesta fase preliminar o próprio mérito da ação pode ser examinado (haver, ou não, ato de improbidade administrativa), e não se existe, concretamente, fato impeditivo do exercício de um direito, como ocorre na decadência ou prescrição. Embora a Lei brasileira tenha catalogado a decadência e a prescrição como matéria de mérito, não é menos verdade que na ação de improbidade administrativa o que é passível de julgamento nesta nova fase preliminar do procedimento é o pedido do autor da ação, isto é, o bem da vida reclamado na ação de improbidade administrativa, vale dizer, o próprio ato atentatório à Lei nº 8.429, de 1992. Tanto assim que é comum a doutrina referir-se à decadência ou à prescrição como matérias preliminares de mérito, quando menos do ponto de vista lógico. Este juízo de admissibilidade amplíssimo e substancial da petição inicial em contraditório, destarte, estrema a ação de improbidade administrativa de qualquer outra ação que segue o rito comum, assemelhando-se ao que o Código de Processo Penal reserva, por exemplo, para o processo dos crimes de responsabilidade dos funcionários públicos (CPP, arts. 516- 517). Admitida a petição, entretanto, ordinariza-se o procedimento, o que não é estranho à grande maioria dos demais procedimentos especiais regulados pelo Código de Processo Civil, como bem apontado por Antônio Carlos Marcato na lição destacada anteriormente. Os §§ 9º e 10 do art. 17 da Lei nº 8.429, de 1992, tratam do que se segue à admissão da petição inicial. O § 9º prescreve que o réu será citado, e o § 10 expressa que da decisão de admissão da petição inicial cabe agravo de instrumento. Não pode haver dúvidas, diante do conteúdo do § 7º, de que o contraditório já está completo quando o réu é notificado para se manifestar sobre a petição inicial. Neste instante processual a relação processual já se apresenta triangularizada - o que é, inequivocamente, a realização concreta do princípio do contraditório constitucionalmente assegurado. Assim sendo, mais técnico que, após a admissão da petição inicial, seja o réu apenas intimado para apresentar sua defesa, considerando que ele já faz parte da relação processual e"pois, que dela ele já tem ciência. Quando menos, que se entenda o termo "citação", empregado pelo dispositivo, evidenciando a parte final (o ato de se defender) de sua definição legal, tal qual dada pelo art. 213 do Código de Processo Civil. " (Cássio Scarpinella Bueno in Improbidade Administrativa - Questões Polêmicas e Atuais, 2ª ED., pág. 174/175, Malheiros Editores, 2003) 12. A conclusão do Tribunal acerca da existência ou não dos elementos essenciais à viabilidade da ação de improbidade administrativa, em sede agravo de instrumento fundado no art. 17, § 10 da Lei nº 8.429/92, decorre justamente da valoração da "relevância gravosa" dos atos praticados contra a Administração Pública, mormente porque os §§ 7º e 8º da mencionada legislação permitem o exame do próprio mérito da ação na fase preliminar, isto é, existência ou não de ato de improbidade administrativa, bem como fato impeditivo do exercício de um direito, como soem ser a decadência e a prescrição. 13. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido. (Superior Tribunal de Justiça STJ; REsp 841.421; Proc. 2006/0086195-4; MA; Primeira Turma; Rel. Min. Luiz Fux; Julg. 22/05/2007; DJU 04/10/2007; Pág. 182) Súm. nº 7 do STJ CPC, art. 295 CPC, art. 213
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